domingo, 30 de agosto de 2009

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Era já manhã; o sol ainda não se tinha erguido, eram seis da manhã. Acordei na minha poltrona; a luz tinha-se extinguido completamente; no quarto contíguo dormiam o capitão e a sua gente, e na casa reinava um estranho silêncio. A princípio estremeci, assombrado; nunca me tinha acontecido nada de semelhante; até as coisas pequenas me impressionavam; por exemplo, jamais adormecera dessa maneira, na poltrona. E depois... enquanto me punha de pé e acabava de despertar, fixei de repente a vista no revólver, no revólver carregado, mas no mesmo instante atirei-o para longe. Oh, vida, grande e sagrada vida! Abri os braços e invoquei a verdade eterna; soluçava; entusiasmo, um entusiasmo incomensurável enchia todo o meu ser. Sim, vida e ... anunciação! A anunciação ficou decidida para mim naquele mesmo instante... decidida para toda a minha vida. Irei, irei e anunciarei! O que?... A verdade, uma vez que a vi, que a vi com meus próprios olhos, e reconheci toda a sua magnificência!
E desde então anuncio a boa nova!... Amo-os a todos, e, mais que a ninguém, aqueles que se riem de mim. Por que amo mais a estes? Não sei, nem tampouco posso explica-lo, mas é assim. Dizem que estou enganado... Mas, se agora estou enganado, como será mais para diante? Sim, é provável que tenham razão; estou enganado e quanto mais estiver, talvez seja pior. Provavelmente ainda incorrerei em erro com freqüência, até aprender como é que se deve predicar, isto é, com que palavras e com que atos, pois é difícil sabe-lo. Agora já é para mim tão claro como a luz; mas escutem uma coisa: quem é que não erra? E, no entanto, todos se afadigam por um mesmo objeto; todos, desde o sábio ao último criminoso, simplesmente procedem de maneira diversa. É esta uma verdade já velha; mas eis aqui outra nova: eu não posso enganar-me, assim, tanto. Pois eu vi a verdade, sei-o; os homens podem tornar-se belos e felizes sem que, para isso, tenham de deixar de viver na Terra. Eu não quero nem posso crer que a maldade seja o estado normal do homem. Mas eles troçam desta minha crença. Não acreditam em mim! Eu vi a verdade! Não que a tenha descoberto com a minha inteligência, não: vi-a, o que se chama ver, e o seu rosto vivo preencheu a minha alma para toda a eternidade. Vi-a numa integridade tão completa que... como poderia acreditar agora que essa verdade não possa existir também entre os homens? E como, como poderia eu estar enganado? Talvez ande um pouco desorientado, é possível também que empregue palavras estranhas mas isso não deve durar muito; a imagem viva do que vi viverá em mim eternamente e servir-me-á de norte e de guia. Oh!, eu estou muito contente e esperançado, e não me cansarei de andar, ainda que peregrine durante mil anos. Olhem: a princípio, queria esconder de vós que tinha sido o causador da sua perdição; mas isso teria sido falta da minha parte... pois assim tínhamos já a primeira culpa. Mas a verdade dizia-me ao ouvido que eu mentia, salvava-me do erro e dirigiu-me para o caminho reto. Mas não consegui saber como é que alcançaram o Paraíso, pois não consigo exprimi-lo por palavras. Perdi as palavras no sonho. Pelo menos todas as palavras necessárias, as mais precisas. Mas isso não importa; eu caminharei por esses mundos e anunciarei a boa nova, uma vez que vi com os meus próprios olhos, ainda que não possa exprimir o que vi. Mas é isto precisamente que não podem compreender os trocistas. “Teve um sonho, como ele próprio diz; um delírio febril, uma alucinação.” Ah! Isso é sensato? E ficam todos inchados. Um sonho? Mas que é um sonho? Não será a nossa vida um sonho? Esperem, que vou dizer-vos ainda mais. Bem, admitamos que isso nunca venha a realizar-se e que este paraíso não chegue nunca a ser uma realidade (eu próprio admito isto!); bem, pois, apesar de tudo, continuarei anunciando a boa nova. E, no entanto, como isso seria simples! Num dia, numa só hora, tudo mudaria. Ama a Humanidade como a ti mesmo! Isto é tudo; isto é tudo e nada mais é preciso; saberás depois como hás de viver. E, além disso, só há uma verdade... uma verdade antiga, antiqüíssima, mas que é preciso repetir uma e mil vezes, e que até agora não se arraigou nos nossos corações. O conhecimento da vida está acima da vida; o conhecimento da lei da felicidade... está acima da própria felicidade... Eis aí aquilo contra que se deve lutar. E eu lutarei contra isso! Se todos quisessem, tudo mudaria sobre a Terra num momento.
Mas ando ainda à procura daquela jovenzinha... E continuo, continuo....

FIM

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