terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Observações interessantes... para mim pelo menos heheheh

Eu comecei a ler, cerca de  4 dias atrás, um livro sobre o Romantismo, assunto que muito me interessa.. e resolvi postar aqui um trecho relativamente longo, mas com o qual eu concordo, em especial nas partes que destaquei em negrito. Fora isso, queria fazer uma observação sobre o Goethe e o Schiller, ao contrário do que eu disse no último post, se não me engano, eles não parecem ser apenas cabeçudos.. por algumas coisas que li nesse livro parece-me que eles eram meio brincalhões, às vezes.. hehe (me sentiria mal se não relativizasse o que disse, mesmo sabendo que isso pouco importa).
Lá vai o trecho ao qual me referi:

“(...)


Mais ou menos na mesma época em que Goethe escolhe a literatura como salvação contra a revolução e os românticos ainda a celebram com entusiasmo, Schiller sente-se por ela coagido a criar uma teoria estética moderna. Ele se transforma no iniciador das subsequentes tentativas românticas de incluir a revolução no mundo filosófico-literário, não apenas como tema, mas também como princípio produtivo. Em outras palavras: a teoria schilleriana do jogo, de 1794, é o prelúdio da revolução literária romântica em torno de 1800.

Schiller também tinha, inicialmente, abraçado a revolução, mas então sentiu-se repelido pelo modo como esta se desenrolou. Pouco antes dos assassinatos do mês de setembro de 1792 — quando quase duas mil pessoas foram abatidas pela plebe parisiense, depois de o rei ter sido executado —, ele havia começado a conceber uma terapia estética que deveria ajudar a tornar as pessoas aptas à liberdade. Que elas não o são, segundo Schiller, havia sido provado suficientemente pêlos excessos da revolução: "instintos sem lei e brutos" teriam sido liberados "depois da dissipação da ordem social", e se teriam "apressado com ira incontrolável em direção à sua satisfação animal”. Não eram, pois, homens livres que haviam sido oprimidos pelo Estado. Não. Eram apenas animais selvagens que ele havia colocado em correntes curadoras. Como resposta à Revolução Francesa, Schiller faz a ousada tentativa de superar a França revolucionária com uma revolução alternativa, uma revolução do espírito. Somente o jogo das artes, para ele, poderia verdadeiramente tornar o homem livre. Em primeiro lugar interiormente, e mais tarde — quando a situação na Alemanha tivesse amadurecido — também exteriormente. Ele colocava grande esperança no efeito libertador da arte e da literatura. A primeira geração dos românticos irá se apoiar nessa valorização ímpar do estético.

Schiller denomina a Revolução Francesa um momento frutífero que aconteceu a uma raça infértil. Infértil porque não era livre por dentro. Mas o que significa ser livre por dentro? Não devemos ser dependentes dos desejos; não importa se os perseguimos de maneira crua e primitiva ou com o refinamento da civilização. De qualquer maneira, o homem permanece sob o comando da natureza, sem poder controlar a si próprio. Mas não vivemos nós numa era do Iluminismo e da ciência, num período do florescimento do espírito livre e pesquisador? Não, diz Schiller, não se deve superestimar as atuais conquistas. O Iluminismo e a ciência se mostraram apenas como urna cultura teórica, uma coisa externa para bárbaros por dentro. A razão pública ainda não tocou o âmago da pessoa, nem o transformou. O que deve ser feito? O único caminho para a libertação do homem interior não é a luta política pela liberdade exterior? Só se aprende a liberdade quando se luta politicamente por ela. É isso pelo menos que Fichte e outros amigos da liberdade vão opor contra Schiller, que rejeita o conceito do learning by doing, como se diria hoje em dia. Seu argumento é: quando se enfraquece ou até mesmo se desfaz muito cedo a garra autoritária do Estado (do Estado natural) por meio da luta política, as consequências inevitáveis são a anarquia e a multiplicada violência e arbitrariedade dos egoísmos: A sociedade livre, em vez de projetar-se em direção à vida orgânica, tomba de volta ao elementar. Tem-se de, no lugar disso, abrir ao homem um campo de exercício da liberdade; tem-se de — enquanto o Estado natural ainda persiste em garantir a existência física do homem — criar os fundamentos espirituais sobre os quais se pode criar futuramente o Estado livre. Não se pode primeiro destruir o mecanismo do Estado e em seguida querer inventar um novo; tem-se, pelo contrário, de trocar a roda enquanto em movimento.

Mas por que essa troca da roda em movimento — essa revolução na maneira de pensar — poderia ser gerada exatamente pela arte e pelo trato com ela? Porque é através da beleza que se chega à liberdade. Pode-se certamente dizer — e Schiller o faz — que a bela arte educa e aprimora os sentimentos. Essa seria a sua contribuição à civilização. Mas ele não se dá por satisfeito com isso. O mundo estético não é apenas um campo de exercício para o refinamento e enobrecimento dos sentimentos, mas o lugar onde o homem se torna explicitamente aquilo que ele sempre é implicitamente: um homo ludens.

É apenas na décima quinta das suas cartas, Sobre a educação estética do homem [Über die ästhetische Erziehung des Menschen], que se encontra aquela frase na qual culmina o teor desse tratado, e da qual tudo advém que é importante para Schiller em relação ao belo na arte. Trata-se de uma tese cultural e antropológica com vastas consequências para a compreensão da cultura em geral e do moderno em especial: uma tese com a qual Schiller justifica bem sua exigência de curar a doença da cultura pela educação estética. Essa famosa tese é: "Para dizê-lo de uma vez por todas, o ser humano brinca apenas onde ele corresponde plenamente ao conceito do ser humano, e ele é apenas completamente humano quando brinca.”

Que jogos? Naturalmente que para ele são primordialmente os jogos da bela literatura e da arte. Mas insinua que nisso toda a civilização está em jogo — porque ela mesma também é um jogo, isto é, uma instituição que transforma um número possivelmente grande de casos sérios em ações lúdicas que os substituem, ou pelo menos possibilitam um trato distanciado com eles. Schiller é um dos primeiros a mostrar que o caminho da natureza para a cultura passa pelo jogo — e isso significa rituais, tabus, simbolizações. A seriedade dos instintos — sexualidade, agressão, concorrência e inimizade — e os medos da morte e da doença e do declínio perdem algo da sua força subjugadora e limitadora da liberdade. Assim, a sexualidade é sublimada como jogo do erotismo, com o que ela para de ser apenas animal e se torna verdadeiramente humana. A isso pertencem então os disfarces, artimanhas, o adorno e as ironias no jogo, através dos quais ocorre aquela magnífica duplicação: gozar o gozo, sentir o sentimento, amar a paixão; ser ao mesmo tempo ator e espectador. Tal jogo é que permite a intensificação refinada, enquanto o desejo se apaga na satisfação e com isso se direciona funestamente ao ponto morto: post coitum omne animal triste. A sexualidade é desejo e proliferação. O erotismo, porém, abre todo um mundo de significados.



O jogo abre espaços livres. Isso também vale para a violência. A cultura tem de contar com ela e com ela "jogar", por exemplo, na competição ritualizada, na concorrência, nas disputas de oradores. O universo simbólico da cultura oferece um alívio no que concerne aos casos sérios de morte e extermínio mútuo. Ele torna a vida dos homens em comunidade — esses animais perigosos — vivível. A máxima da cultura é: onde existia seriedade, deve haver jogo.

Evidentemente teremos de continuar com nossos negócios seriamente, atando relações e cuidando delas, arcando com nossas tarefas. Mas tudo depende de estabelecermos um espaço lúdico em relação aos instintos e afetos que nos dominam.

Disso também faz parte a independência em relação a meras considerações sobre a utilidade das coisas. A sociedade burguesa, diz Schiller, vive mais do que nunca sob o imperativo da utilidade. Ele a descreve como um sistema fechado da racionalidade do útil e da razão instrumental, como uma máquina social, quase como aquele invólucro de aço tal qual Max Weber a descreverá cem anos mais tarde. "A utilidade", escreve Schiller, "é o grande ídolo da época, a quem todas as forças devem alimentar e todos os talentos devem honrar. Sobre essa grande balança, o ganho espiritual da arte não tem peso nenhum, e, roubada de toda motivação, ele desaparece diante do mercado barulhento do século".

Com a ajuda da arte pode-se aprender que as coisas mais importantes da vida — o amor, a amizade, a religião e mesmo também a arte — têm a sua utilidade em si mesmas, que elas em si não fazem sentido porque funcionalmente estão a serviço de alguma outra coisa. O amor quer o amor, a amizade quer a amizade e a arte, a arte; outros fins são realizados paralelamente, é lógico, mas isso não deve ser intencional. Uma amizade calculada não é uma amizade, e uma arte em função da utilidade social também não é arte. A arte é, como todo jogo, autônoma. Ela tem regras, mas as dá a si mesma. Só pode condescender nos casos sérios, quando se leva a sério. Contrariamente à utilidade geralmente reconhecida, ela tem dentro de si seu próprio fim; é pois estática, como, por exemplo, a religião, à qual se deixa de conhecer no momento em que se a limita funcionalmente a um papel social. Só quando a arte — assim como a religião — quer a si própria pode acontecer que ela, de certa forma involuntariamente, sirva à sociedade.


A arte é, pois, em primeiro lugar jogo, em segundo autonomia e, em terceiro, ela compensa aquilo que Schiller analisa como a deformação específica da sociedade burguesa: o sistema de distribuição de empregos. Hölderlin, Hegel e mais tarde Marx, Max Weber e Georg Sirnmel vão recorrer à sua análise. Não há nenhuma perspectiva sobre a sociedade naquele tempo que tenha tido um impacto maior do que a dele. A sociedade moderna, escreve, fez progressos na área da técnica, da ciência e do artesanato em consequência da divisão de trabalho e da especialização. Na mesma proporção em que torna-se mais abastada e complexa como um todo, ela deixa que o indivíduo empobreça em relação ao desenvolvimento dos seus talentos e forças. Na medida em que o todo se mostra como uma totalidade rica, o indivíduo deixa de ser aquilo que ele, de acordo com um pressuposto idealista da Antiguidade, deveria ser: uma pessoa como pequena totalidade. Em vez disso, encontram-se entre os homens de hoje apenas fragmentos, o que faz com que se "tenha de perguntar de indivíduo a indivíduo, para reconhecer a totalidade da raça". Cada um conhece apenas seu ofício especial, seja ele um ofício material ou espiritual. A política também transformou-se num ser maquinário de especialistas do poder; ela não está mais arraigada no mundo da vida, nem é expressão orgânica do poder concentrado de indivíduos: " O prazer foi separado do trabalho, o fim do meio, o esforço da recompensa. Eternamente preso a um único pequeno fragmento do todo, o homem se forma apenas corno fragmento. Ouvindo eternamente o barulho da roda que põe em movimento, ele jamais desenvolve a harmonia do seu ser, e em vez de imprimir humanidade à sua natureza, ele é apenas uma cópia do seu negócio.”

Mas, em oposição aos sonhos de Rousseau sobre um passado melhor, Schiller insiste que "por menos que o indivíduo possa sentir-se bem sob esse esmigalhamento do seu ser, a raça não teria podido fazer progressos de outra forma". Para desenvolver a inclinação da raça como um todo, não havia aparentemente nenhum outro meio senão o de dividir os indivíduos e mesmo opô-los uns aos outros. Ele denomina o "antagonismo das forças” como o "grande instrumento da cultura", para realizar no todo social a riqueza das forças humanas e para perdê-la na grande massa dos indivíduos. Nessa análise, Hölderlin encontrará a chave para
a compreensão da sua dor em relação ao presente. Em Hipérion, ou O eremita na Grécia [Hyperion] lemos: "Você vê operários, mas nenhum ser humano; pensadores, mas nenhum ser humano [...] isso não é como o campo de batalha, onde mãos e braços e todos os membros estão misturados uns aos outros, enquanto o sangue vital escorre na areia [...] Mas isso seria suportável, não tivessem os homens que ser insensíveis em relação a toda a beleza da vida [...]"

O esmigalhamento e a mutilação explicam para Schiller porque, na França, o Iluminismo tenha se tornado pura ideologia como cultura teórica, e que finalmente até se mostre — como vemos no exemplo de Robespierre — o terror da razão, indo não apenas contra, as antigas instituições, mas também contra a crença no coração dos homens.

O jogo da arte deve — quando não superar — pelo menos compensar essa lesão cancerígena na sociedade trabalhista que torna o homem um fragmento, uma mera cópia do seu negócio. O jogo da arte estimula o homem a jogar com todas as suas forças — com a razão, o sentimento, a imaginação, a memória e a expectativa. Esse jogo livre liberta o indivíduo das limitações oriundas da divisão do trabalho. Permite a ele, que sofre por causa do esmigalhamento, tornar-se algo inteiro, uma totalidade menor, ainda que apenas no momento de tempo pré-estabelecido e na área limitada da arte. No prazer do belo, ele experimenta o gosto de uma plenitude que, tanto na vida prática quanto no mundo histórico, ainda estão por vir.

Schiller esperava pois muito da educação estética, e gerou uma até então desconhecida valorização da arte e da literatura.

A nova consciência da autonomia artística, o estímulo para o grande jogo e para a sublime inutilidade, a promessa de uma totalidade menor — tudo isso deu energia ao Romantismo, cuja primeira geração tem então sua estréia.” (SAFRANSKI, Rüdiger. Romantismo: uma questão alemã. São Paulo, Ed. Estação Liberdade, 2010, p. 41,42,43,44,45,46.)

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